segunda-feira, 4 de março de 2013

Conto de fadas (sem fadas)



O príncipe, contrariando todos os princípios da família real conservadora, casou-se com a plebéia depois de salvá-la das perversidades de uma madrasta viúva. O casamento foi numa tarde fresca, com os convidados cercados por flores do campo amarelas e animaizinhos cantantes; durante a cerimônia, o casal se beijava com os olhares e bem distante os sinos tocavam com gozo e satisfação. E foram felizes para...

— Tu és virgem?

— Príncipe, o que tu esperavas de mim?

— Bem, eu... penso que, no fundo, eu esperava que tu fosses virgem, mas... ainda mais fundo, eu esperava que tu não fosses!

— Como assim? Tu serias capaz de casar-te com uma mulher desvirtuada? Com uma mulher furada? Nosso casamento estaria amaldiçoado antes mesmo de começar.

— O que eu quis dizer é que, de certa forma, eu já sabia que tu eras virgem, mas eu não estava preparado para isso. Eu... não me preparei para lidar com essa situação.

— Príncipe, tu fazes um mal julgamento de minha pessoa. É claro que eu me guardei para o dia da minha noite de núpcias. Apenas.

— Apenas? O que tu quiseste dizer com “apenas”? Quer dizer que... que... apenas na noite de núpcias?

— Bem, na verdade só podemos ir para a cama juntos para aumentar nossa prole, senão seremos excomungados! O demônio nos tenta, mas temos que ser fortes o bastante para resistir.

— Quê? Aumentar nossa prole...?

— Mas é claro!

— Então, bem... Eu não sei muito bem qual a próxima parte da noite de núpcias, mas... eu acho que agora é a hora de tu se despir.

— Eu? Mas é claro que não! Por mais que eu tenha sido criada por uma madrasta horrenda e mal-cheirosa, não quer dizer que eu não tenha pudores e princípios. A mulher nunca pode ficar desnuda na frente do marido.

— Como assim? Mas como que...? Eu não estou entendendo. Eu achei que tu ficarias nua diante de mim, iluminada pela luz da lua, momento em que eu contemplaria a sua pele alva, o seu corpo curvilíneo...

— Com certeza tu tiraste isso de algum poema escrito para uma meretriz! Pare de ler poesia indecente e imprópria para um homem casado!

— Desculpe-me, minha querida esposa, mas isso é a minha falta de tato com virgens.

— Falta de tato com virgens? Quer dizer que tu tens “tato” com meretrizes, mulheres perdidas e de má-nota?

— Não foi isso que eu quis dizer. Eu... bem... Nós, homens, temos... necessidades!

— Nós, mulheres, também!

— Que disparate! Como ousa em comparar os homens com as mulheres? Vocês, mulheres, são encarnações do diabo!

— É claro que temos necessidades...

— ... necessidades demoníacas!

—... mas, em nome da decência e da minha paz eterna, nós, mulheres direitas, decidimos esperar até o dia de nossas núpcias para que nossos corpos sejam deflorados sob as leis dos céus. Não quero que exista nenhuma mácula na minha alma!

— Espere só um instante: eu não estou conseguindo desabotoar esse botão da minha calça. Urrgh! Aaaah! Consegui! Esses alfaiates complicam muito as coisas com esses seus botões de ouro e esses couros duros que cheiram a mofo. Mas... sobre o que tu estavas falando mesmo?

— Nada.

— Bem, já que não vais tirar a roupa...

— Espere! Eu não disse nada sobre beijos!

— Como assim? Sem beijos, sem poemas, sem contato corporal... Como é que tu queres que esse casamento seja consumado?

— Tudo bem. Confesso que estou sendo um pouco exagerada...

— ... um pouco?

— ... mas prometo dar-lhe um beijo caso você lave essa boca. Seus dentes estão todos podres!

— E, por acaso, o seu sorriso é mais lindo que o meu? Pelo menos eu fui criado num castelo, enquanto, pela aparência de teus dentes, parece-me que tu comias cascalho. Onde é que tu perdeste teu canino esquerdo?

— Foi num dia que... Ah, não lhe interessa! Se continuarmos nesses termos, esse casamento não será consumado nunca!

— Se apagarmos aquela vela, não veremos nada. Sem dentes podres, sem corpos nus...

— Mesmo sem luz, eu não tirarei o meu vestido.

— Mas eu estou ficando sufocado com tanto pano! Eu não estou encontrando suas pernas. Meu Deus, tu tens mais pelos na perna do que eu!

— E seu toque é tão delicado como um touro. As mulheres da vida com as quais tu estás acostumado a lidar não lhe ensinaram nada?

— Bem que meu pai me disse que é o marido quem controla a língua da mulher.

— Ei, tire tua mão daí!

— Aaaau! Isso é um cinto de castidade? 

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