sexta-feira, 8 de março de 2013

Com estilo


Um arranco fez com que seu corpo rolasse para fora do catre onde dormia no porão do navio. Uma garrafa verde onde na noite anterior um vinho insosso dançava de um lado para o outro estava vazia. O homem soluçava e sua cabeça latejava.

Um tripulante veio correndo escada abaixo. Sua barba já chegava ao peito depois de mais de dois meses fora de casa, sua pele já estava queimada de sol e da água salgada que lhe batia no ombro diariamente. Estava descalço e vestia apenas uma calça de pano cru.

— Seu Cristóvão, seu Cristóvão!

— Mas que merda é essa? — o homem jogado no chão perguntou. — Trombamos com algum iceberg?

Iceberg? Senhor, não existem icebergs por aqui. O senhor está bem, Seu Cristóvão?

— Que estranho! Deve que foi um sonho. Era um navio que trombava num iceberg e toda a tripulação morria. A única sobrevivente era uma moça linda, de cabelos ruivos com um lindo rubi pendurado no pescoço.

— Que história besta!

— Sim, uma história besta. Por um momento pensei em escrevê-la no meu diário, mas... tenho mais o que fazer.

Silêncio.

— Enfim, o que veio fazer aqui se não foi pelo iceberg?

— Foi uma ilha!

— Ilha? Que ilha? Estamos voltando para a Espanha? Eu disse “sempre Oeste, sempre Oeste”!

— Sim, e seguimos sempre para o Oeste, seu Cristóvão. E chegamos a uma ilha!

— Meu Nosso Senhor Jesus Cristo! Sai da minha frente, seu patife!

Cristóvão Colombo subiu ao convés e os homens já estavam descendo pelo casco do navio; outros desciam pelas cordas. As três naus que tinham partido da Espanha em agosto, Niña, Pinta e Santa Maria, estavam enfileiradas e os homens gritavam aleluia!

— O que esses homens estão fazendo? — Colombo perguntou para homem forte que cuidava das velas do Santa Maria.

— Estão descendo para terra firme!

— Eu entendi, mas... que lugar é esse?

— Quem se importa? Depois de tanto tempo fora de casa, eu só espero que aqui tenha vinho, ouro, pão com molho de peixe e uma rameira. Não precisa nem ser nessa ordem! — E virou as costas para procurar suas recompensas.

— Espere! Espere! Paaaaaaaarem!

E o silêncio se fez entre a tripulação. Só ouviam-se as ondas quebrando no casco do navio e o vento que vibrava as velas.

— O que vocês estão fazendo?

— Estamos indo pra terra firme, seu Cristóvão!

— Eu não sou cego, seus idiotas! Eu só quero saber porque vocês estão fazendo isso sem mim. Por que ninguém foi lá no porão me acordar? Onde está o imbecil que eu pedi para ficar lá no mastro e gritar terra à vista quando enxergasse alguma coisa?

Rodrigo apareceu devagarzinho com os olhos arregalados, com o corpo tremendo como uma ponte velha.

— Sou eu — sua voz saiu em falsete.

— Eu não pedi pra você gritar, gritar, terra à vista quando visse alguma coisa?

— E eu gritei, seu Cristóvão!

— E por que eu não ouvi?

— E eu que tenho que saber?

— Ô, seu Cristóvão, não é por nada, não — disse um homem moreno com uma trança na cabeça —, mas o senhor estava bêbado lá no porão.

— Vocês agora tem algum poder pra me julgar?

— A gente não tem culpa!

— Fui eu que trouxe vocês pra cá, seus inúteis! Como pode existir uma coisa dessas? Como eu posso descobrir alguma merda se eu estava dormindo no porão esperando que um paspalho gritasse terra à vista? É pedir muito?

— Bem, mas, de qualquer forma, a ilha já foi descoberta. O Pinzón tá lá gritando que descobriu uma terra virgem!

— Descobriu merda!

— O Pinzón é o dono dos navios, seu Cristóvão!

— Mas fui eu que inventei toda essa birosca de viajar para o Oeste e encontrar uma passagem para as Índias. Eu passei o que passei, falei com um monte de gente que me chamou de louco e de mentiroso, e um paspalho, dono de três míseros barquinhos, diz que foi ele quem descobriu “terras virgens”. Virgem é a...

— Mas o senhor tava dormindo, seu Cristóvão!

— Então, mata o Pinzón e vamos fazer a cena de novo.

— Fazer de novo? Que cena? Matar o Pinzón? O irmão dele tá ali na outra embarcação!

—Vamos voltar umas milhas pra trás, eu vou colocar uma beca que eu preparei pra essa ocasião e vamos descobrir as “terras virgens” de novo! Pega os trompetes e os tambores e vamos fazer a cena do descobrimento mais uma vez. Mas agora com estilo!

— Descobrir de novo, seu Cristóvão? Não tem como descobrir uma coisa duas vezes!

— Tem sim! Virem os navios e avancem até um ponto onde as terras não podem ser avistadas! Enquanto isso, eu vou me vestindo e vou escrever um documento que prova que eu sou o descobridor desse parangolé. Todo mundo vai assinar pra eu mostrar pro Rei da Espanha que fui eu, Cristóvão Colombo, quem descobriu as Índias.

— Mas eu nem sei escrever!

— Faz um risco que já tá ótimo! Rodrigo, vai lá no meu baú e pegue aquela túnica vermelha com fios de ouro.

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