domingo, 26 de agosto de 2012

Um minuto com o ídolo



Era o grande dia.

As emissoras de rádio da cidade não paravam de falar do show do ano. Era a primeira vez que o grande ídolo brasileiro fazia uma aparição por aquelas bandas do país e milhares de adolescentes histéricas se aglomeravam do lado de fora do parque onde aconteceria a aparição.

Faixas amarradas na testa, camisetas estampadas com o rosto do astro e ursos de pelúcia sendo preparados para serem arremessados pra cima do palco. Era o grande dia.

Uma moça com trinta anos incompletos tinha preferido ir para o hotel três estrelas — o melhor da pequena cidade — onde o cantor ficaria hospedado. Um pôster, um caderninho para autógrafos e sua Cybershot rosa completavam seu kit tiete.

Os assessores tinham prometido às primeiras fãs que ali chegassem uma visita ao quarto do cantor para alguns momentos de felicidade ao lado dele. A moça era a primeira da fila. Quantos sacrifícios ela não fazia por quem amava!

Um segurança de terno preto apareceu na porta do hotel levando as fãs à loucura. Agarrou a mão da moça e já não existiam obstáculos entre ela e o cantor. Era agora. Ela tinha ensaiado tudo que era pra ser dito num momento como aquele.

— Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaah! EU TE AMO! — Ela se agarrou no pescoço do cantor. — Sempre quis te conhecer. Me dá um autógrafo?

— Claro! Qual é seu nome?

— Luiza.

— Lu-i-za! Um-bei-jo! Pronto. Aqui seu caderninho. Quer tirar uma foto? — ele perguntou quando viu a câmera na mão dela.

— Sim, sim! Vem cá. — Puxou ele pelo pescoço, encostaram bochecha com bochecha e o flash cegou o ídolo.

— Aqui, Luiza! Vou te dar um CD de presente. Autografado.

— Aaaah! Eu adoro seu CD. Já ouvi todas as músicas.

— Mesmo? E qual é a música que você mais gosta?

Silêncio.

— É... Aquela que fala assim: ♪ Não vou mais te enganar: eu não sou o homem que você tanto sonhou ♪

— Você... Você tem certeza que a letra é assim, mesmo?

— Sim, sim. ♪ Se é certo ou errado pago as consequências. Posso ser julgada por um pecado de amor

O cantor riu sem graça.

— Luiza, eu nunca gravei essa música.

— Claro que gravou, Bruno?

— Não, meu nome não é Bruno. Eu sou o Luan Santana.

— Quem?

— Luan Santana. ♪ Te dei o sol, te dei o mar pra ganhar seu coração. Você é raio de saudade, meteoro da paixão

— Luan e Santana? Não conheço. Eu achei que você fosse o Bruno Dias.

— Não, não sou — Luan Santana respondeu enquanto tirava o CD autografado das mãos da moça.

— Olha, eu vou te contar a verdade, então. Eu só estou aqui por causa da minha sobrinha. Ela é que chama Luiza. Meu nome é Rose. Eu só vim pegar um autógrafo pra ela porque ela tá internada e nem vai poder ir no show, coitada.

— Mesmo? Nossa, Rose, que chato! Pode ficar com o CD, então. E mande um beijo pra Luiza.

— Não, eu não quero CD nenhum! Ela também pensou que você fosse o Bruno Dias. Nem sei quem é Luan e Santana! Mas eu vou contar pra ela que eu conversei com você. A propósito, você é o Luan ou o Santana? 

sábado, 18 de agosto de 2012

Aniversário do Atrás do Horizonte [3]


"Escolha cada palavra pela música que ela faz soar em seus ouvidos. 
Só depois, se for necessário, confira o sentido exato do que ela informa. 
Porque as palavras mais informam pela música que transmitem do 
que pelo significado frio dos dicionários". 
Carlos Drummond de Andrade

Uau! É difícil de acreditar, mas agora esse humilde blog entra no seu quarto ano. Dá pra contar a idade dele com os dedos de uma só mão, mas se for pensar em todas TODAS as experiências que todos nós tivemos nos últimos três anos, vamos perceber que isso é muito tempo.

Criei o blog quando eu ainda tinha 16 anos (Hoje eu vejo um garoto de 16 e penso: "É uma criança!") e não tinha passado por dezenas de experiências que me marcarão para o resto da vida. Puta que pariu: que texto chato!

É que eu não consigo não fazer um balanço geral nessas datas importantes. Sim, o aniversário do blog é uma data importante pra mim. E o meu cérebro me faz relembrar de tudo que eu vi só lendo os títulos de todos esses textos que eu escrevi (foram 345 até hoje!). Tudo me faz lembrar de um amigo, de uma briga, de uma situação ou de um sentimento que era tão intenso na época que eu deixava transparecer para as palavras mesmo sem intenção de fazê-lo.

E essa foi a minha grande vitória nesse tempo todo de blog: conseguir dar o toque especial aos meus textos, deixar a minha marca registrada nessas linhas virtuais. Por isso eu comecei esse texto com essa citação do Carlos Drummond de Andrade. Tenho por mim que eu encontrei o som das minhas palavras! Quando eu leio, eu vejo cores e sinto sabores; tento misturar isso ao som das palavras e consigo dar o clima que eu queria para o texto. 

Vendo os meus textos mais antigos, até mesmo as redações que eu escrevia na 8ª série e sem querer encontrei jogadas numa prateleira, percebo que eles não tem identidade: são textos que eu escrevi por escrever; eu ainda não sabia escrever com o coração. Mas de maio de 2011 pra cá eu comecei a perceber que os meus textos já são mais originais: eu já consigo imprimir neles o meu próprio estilo, consegui encontrar as palavras das cores/sons/sabores que eu queria. Isso me deixa muito feliz!

Talvez seja pretensão minha me auto-elogiar (essa palavra existe?), mas é que eu queria compartilhar isso com meus leitores. E da mesma forma que eu me esforço para admitir meus erros, também é um grande esforço encontrar acertos nos meus trabalhos. 

E esse é o momento exato para eu dizer: nesse último ano (agosto/2011 - agosto/2012) eu escrevi o meu melhor texto desses três anos de blog! Mas é claro que se eu dissesse qual é esse texto, seria um tiro no pé. Tenho certeza que alguém diria:

— Puta que pariu! Esse é o melhor texto dele? Meu Deus! O resto deve ser um lixo, então. Vou criar um aviso no meu computador para quando eu, por acidente, entrar nesse blog.

Ok, então fica caladinho e deixa eu continuar.

Meu eu


Nesses últimos anos, eu mudei muito e achei uma forma interessante de marcar as minhas mudanças: no ano passado, uma quantidade enorme de pessoas no Twitter fez o #100factsaboutme (prova de que todo mundo adora falar de si mesmo). Eu fiz diferente: resolvi postar aqui no blog (clique aqui). Alguns meses depois de publicar essa lista, eu entrei novamente na página e vi que muitas coisas já tinham mudado. Resolvi ir apagando tudo que já não era eu... É uma experiência interessante isso! Recomendo.

Tentando me conhecer melhor eu também aceitei o desafio de postar uma música por dia no Facebook durante 250 dias (clique aqui). Existe uma coisa mais inútil do que isso? Hãaaa...? Não! Mas também foi super divertido fazer isso e as respostas foram dadas (oi?) com muita sinceridade.

Nesse ano eu também li muita coisa boa na internet. Todos nós blogueiros temos quase sempre as mesmas ferramentas. É interessante ver como cada um de nós usa essas ferramentas pra deixar o blog com a nossa cara. E, para ser grato pelos momentos de diversão e reflexão que esses blogueiros me proporcionaram, eu elegi os melhores textos do ano (clique aqui) e compartilhei para os leitores do blog.

E tudo que eu vivi, o blog tava contando pra todo mundo: descobri muita música boa (Carry on, 18 de março de 2012), fui ao cinema (Experiências e reflexões sobre Titanic, 13 de abril de 2012), andei andei andei de ônibus (A Gorda, 04 de dezembro de 2011), entramos em greve (Bate-papo, 17 de agosto de 2012), passei horas e horas diante da televisão vendo novela (Experiências e reflexões sobre Avenida Brasil, 24 de julho de 2012; Manuela, 25 de setembro de 2011), fiz UÓ (Mateus, 22 de outubro de 2011), li muito (Sob as luzes de Copacabana, 04 de maio de 2012), fui roubado (Levaram a carteira!, 28 de novembro de 2011) e deixei o bigode (O bigode, 14 de novembro de 2011).

Além de mais uma vitória para esse blogueiro que vos escreve: consegui criar uma maneira de falar sobre sexo (Vamos falar sobre sexo?, 12 de junho de 2012), morte (Pensamentos mórbidos, 17 de dezembro de 2011) e violência (Sangue Frio, 24 de maio de 2012; Assassinato, 29 de junho de 2012; Plano diabólico, 22 de janeiro de 2012) de uma forma que se encaixasse na música que a banda desse blog toca.

Atrás do Horizonte em números


Pra finalizar, vamos aos números. Baixos, mas... maiores que zero. Nesses 366 dias (2012 é ano bissexto) foram 84 posts (o menor índice dos três anos), 56 comentários (O Blogger está em decadência. Agora as pessoas se limitam a Curtir no fim da página. Isso deixa o blogueiro desmotivado, viu?), 8 seguidores (a blogosfera já foi mais popular) e alguns Likes, mas que são quase impossíveis de contabilizar.


Então, é isso! Agradeço pela atenção, pelo tempo gasto em ler esse post desse tamanho e pelo comentário que você deixará ali embaixo. 

Muito obrigado!

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Bate-papo


— E aí, cara? Como é que tá?

— Ah, na mesma, né! Essa greve...

— Pois é. Três meses já, hein.

— 90 dias!

— 90 dias — o outro concorda. — Tô até vendo os professores ferrando com todos os alunos quando as aulas voltarem.

— Fazer o que, né! É a única arma deles pra conseguir melhorias e tal.

— Pois é.

— Mas já cansei dessa brincadeira. Que palhaçada é essa? Já teve um monte de negociações e não resolveram merda nenhuma. E a gente vai atolando na merda cada vez mais. Isso sem falar nos Policiais Federais e nos Fiscais Ambientais que também ‘tão de greve. Vai dar um nó d’um tamanho nesse país!

— Por isso que o Brasil não vai pra frente. Com um governo desses...

— E aí, a gente perde o ritmo, fica sem fazer nada o dia inteiro...

— No início eu tava até planejando estudar, adiantar as leituras...

— Quem não estava?

— ... mas aí fui acomodando, deixando tudo pra depois.

— A gente fica tenso o tempo inteiro pensando quando as aulas vão voltar. Podem voltar a qualquer momento e, quando voltar, os professores vão socar um monte de trabalho no nosso rabo.

— Foda de-mais! E o povo que estuda em faculdade particular diz que é por isso que não estuda numa Universidade Federal. Não estuda é porque não conseguiu passar no vestibular! Sabe aquela faculdade ali no centro? Então! Junto com a prova do “vestibular” já vem a folha de inscrição e sua grade horária.

— E eles ainda dizem que é férias. Férias o rabo deles!

— Se bem que tem alguns que fizeram da greve suas férias, né. Aquele Renato filho duma quenga foi até pra praia.

— Ah, é?

— Foi, uai. Vagabundo! Tava lá com aquele volume estranho na sunga abraçadinho com a Franciele.

— Sua ex?

— Vadia! Tenho certeza que ela já tinha um trelelê com o Renato antes d’eu terminar o namoro.

— Mas foi ela que terminou.

— Tanto faz. A ordem dos cavalos não altera a carroça.

— Mas eu bem que tava querendo ir pra praia também. Em janeiro.

— Nóoooh! Bão demais, hein! Eu tava querendo ir lá pra Natal passar uma temporada.

— Já conheci Natal. Foi... uns três anos atrás. Fui com aquele amigo meu de BH, lembra?

— Ah, sei!

— Agora tava querendo conhecer Fortaleza. Nossa, vi umas fotos de lá. Tem umas festas loucas na alta temporada. Mas nem vai dar.

— Uai, por quê?

— A gente vai ter que repor as aulas, esqueceu? Essa greve...

— Pois é. Três meses.

— 90 dias!

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Besos calientes



— Soy mexicano! Arriba!

Eu vou matar o Enrique por ter me deixado com esse maluco. Ele disse que foi buscar aqueles bestas dos amigos dele, mas isso faz... faz... só trinta e quatro minutos?! Meu Deus! Achei que já tinha passado umas duas horas.

— Tequila! Tequila. Beba una conmigo, moça bonita! — ele disse com a língua entre os lábios. Ele acha que isso é espanhol. — Vamos beber tequila!

— Não, muito obrigado. Eu já disse que eu não quero. Você sabe onde o Enrique foi buscar os amigos dele?

— Para que se preocupar, bambina! — Ele acha que isso é espanhol? — Vamos dançar mucho ao som de las cucarachas.

— Você está bêbado!

— Non estoy bêbado! Usted nunca me viu bêbado. A bebida non tem efecto sobre mí, bambina! Venha bailar conmigo!

— Muito obrigado! Eu já disse que eu não quero dançar! De onde você conhece o Enrique? Você são amigos?

— Conheci o Enrique nas quebradas della vita. — Falta falar russo! — Onde non ecsistem leis dos hombres, nem dos dieuses. Lembro-me daqueles lábios carnudos e atraentes begodes movendo-se com...

— O quê?!

— Ele é muito habilidoso com aquela boca. Enrique Língua de Pluma.

Acho que minha cara de medo o incentivou a continuar.

— Lembro-me muito bem como se fosse ontem; ou anteontem. Na verdade, eu acho que isso aconteceu semana passada. Éramos siete dentro de una Variant amarela terrible: dois hombres e cinco mujeres; ou três homens e quatro mujeres; ou... nunca soube se a Priscila era homem ou mulher. Esperava descobrir naquele dia, mas estava muito escuro. Tequila, marihuana e las cucarachas. Un casal, non me lembro quem era, se agarrava no banco de trás, e eu no banco da frente querendo participar daquele delírio... Oh, sí! Era ecsitante! Mas não alcançava. O único ao meu alcance era Enrique, com seus fartos begodes e sua cabeleira loira. Mio santo Cristo! Que besos calientes. E, quando percebi, Priscila e mais outras mujeres, ou outros hombres, non me lembro, participavam do movimento e... Alguém arrancou minhas roupas e lentamente lambia a sola do meu pé. Só podia ser Enrique Língua de Pluma.

— Quê?

— Perfectamente. Nunca pensei que aquilo fosse tan ecsitante. São os nossos chácaras! Temos pontos em toda a extensão do nosso corpo que interligam todos os nossos sentidos — ele falava isso e cutucava a minha nuca com o dedo do meio. — Usted non sabe o quão ecsitante é una lambida na sola do pé. Quer que eu mostre?

— Raquel, o que você está fazendo com esse cara?

— Enrique? Onde você se meteu? Você me deixa com esse seu amigo perturbado e desaparece.

— É que o Vinícius...

— E onde você estava na semana passada quando disse que foi visitar a sua tia em Juiz de Fora? Por acaso você estava numa Variant amarela participando de um bacanal e me traindo com uma travesti chamada Priscila?

— Respeite a Priscila — o metido a mexicano falou do outro lado da mesa. — Non hable dela na minha frente desta maneira.

— Raquel, o que você andou tomando? Você aceitou tequila desse maluco?

— Não minta pra mim. Não negue o seu amigo na minha frente.

— Isso! Non me negue, senão eu te negarei diante do Pai. PAI!

— Raquel, eu... nunca vi esse cara. Eu nem sei por que você está falando com ele. E eu não sei nada sobre nenhuma travesti ou Variant amarela. Você tomou alguma coisa?

— Esse mexicano, quer dizer... esse metido a mexicano disse que você esfregou seu bigode nele em “besos calientes”. Onde estão esses “besos calientes” que eu nunca recebi?

— Raquel, eu não tenho bigodes.

— Onde está a lambida no pé que eu nunca recebi? Onde está a excitação dos meus chácaras que você nunca fez comigo?

— Quê? Raquel, eu não tenho bigodes! Eu nem tenho pelos direito. E esse cara é um maluco. Eu nunca vi ele na minha vida.

— Tudo entre nós está acabado. Não quero ficar com um homem que nunca me deu uma lambida no pé. E que nega os próprios amigos!

E virei as costas. Onde já se viu um absurdo desses? Vou procurar um homem que me lamba quando eu quiser. Ainda tive tempo de ouvir o pseudo mexicano gritando:

— Sente aqui, amigo mio, e beba una tequila conmigo! 

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Erva venenosa



Por que tantas perguntas? Por que sempre insiste em me desvendar em momentos inapropriados? Por que, logo quando eu acordo, já está me colocando contra a parede, fingindo ser inocente pra me arrancar algum segredo sem que eu perceba?

Mas, mesmo você não esperando, eu vou te contar um segredo: você não finge ser inocente; você é inocente. Eu sei que suas garras são imensas e que o seu veneno é (quase) mortífero, mas ao meu lado... você é um patinho recém-nascido: um animalzinho que sobe nas costas de outro maior e tenta derrubá-lo com cutucões.

Onde você engatinha, eu me formei e já dou aulas: apesar de não ter muitos discípulos. Você é perigosa? Eu sou mais. Num momento inesperado, eu vou bater com as costas numa árvore e te esmagar sem você nem perceber.

Eu conheço seus sentimentos, sei dos seus pontos fracos, sei diferenciar os seus momentos de tensão e de calmaria. Eu te manipulo e você ainda acha que eu vou cair na sua armadilha.

Desculpa te decepcionar, mas você nunca me derrubará.