quinta-feira, 19 de abril de 2012

Ensaio sobre a miopia



Quando somos crianças, qualquer experiência médica nos deixa animados: óculos, aparelho dentário, gesso no braço. Eu tinha dez anos quando eu fui ao oftalmologista pela primeira vez e onze quando eu ganhei o meu primeiro par de óculos. É estranho lembrar o quanto eu fiquei animado com aquilo.

Nessa época eu já vivia num ambiente adolescente, quando estamos nos descobrindo e quando a gente é obrigado a ser “normal” para ser aceito na turma. Diferente de outras pessoas, eu nunca fui rejeitado por ser um “quatro-olhos”, mesmo eu sendo o único da minha turma de colégio e de amigos que usava óculos. Na verdade, eu nunca fui chamado de “quatro-olhos”.

Depois de tanto tempo, usar óculos virou uma parte de mim. Quando eu acordo, eu pego os óculos, às vezes, antes de mesmo de abrir os olhos, e, quando eu vou dormir, é a última coisa que eu tiro: arrumo o meu travesseiro, o meu edredon, gravo o cenário a minha volta e tiro os meus óculos. Os óculos são parte do meu corpo. Eu não consigo viver sem eles.

E isso é que tem me incomodado de uns tempos pra cá.

Por mais que eu adore os meus pares de óculos, há alguns anos eu sempre fico me perguntando: como é poder enxergar sem os óculos? Como é poder ser independente de um objeto para você viver? Como é acordar, abrir os olhos e poder ver o que está a sua volta?

Apesar dos pesares, nós, míopes, temos algumas limitações. Os óculos embaçam a todo momento e só quem usa sabe disso. Os óculos embaçam com café quente, ônibus cheio em dia de chuva, durante o banho — ou seja, não enxergo merda nenhuma durante o banho —, fumaça de churrasqueira. Além de que os óculos saem do nosso rosto quando estamos suados, quando pegamos chuva, quando andamos na montanha-russa, quando alguém nos dá um tapa na cara.

Na última vez em que eu fui à oftalmologista, ela me disse que o meu caso clínico pode ser revertido com uma cirurgia a laser. Ela me explicou o procedimento, me apontou os riscos e disse que há a possibilidade de eu sair da sala de cirurgia enxergando sem os óculos.

Saí do consultório como se eu estivesse pisando em nuvens, feliz da vida, sorrindo de orelha a orelha. Mas acontece que as pessoas “normais” não entendem isso. Elas ainda me perguntam: por que você quer fazer uma cirurgia correcional? Só por aparência? Mas eu acho os seus óculos tão legais.

Que bom que você acha!

Mas a aparência não é minha prioridade, tanto que eu pretendo usar óculos depois da cirurgia até que eu me acostume sem eles e eu também gosto da minha aparência de nerd. A minha prioridade é poder ver normalmente, não depender de óculos que podem embaçar, quebrar, arranhar.

Eu não quero me importar com a chuva durante um show de rock, eu quero poder enxergar o meu vidro de shampoo enquanto eu tomo banho, eu quero assistir um filme em 3D sem ter que usar dois óculos ao mesmo tempo.

Essa cirurgia virou a minha prioridade de vida; antes até da minha Carteira de Habilitação. Essa cirurgia só vai poder ser realizada em outubro do ano que vem, por causa da minha idade, mas eu já estou pensando na minha comemoração. Quero entrar no centro cirúrgico e sair de lá uma nova pessoa.

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