sábado, 10 de março de 2012

Pés cansados



Fui pra cama com os pés descalços, o coração palpitante, as mãos inquietas e os olhos baixos para não fitar nenhum dos meninos. Eram oito horas da noite quando todas as luzes foram apagadas e todos os doze meninos alojados naquele quarto pegaram no sono. Era a única vez no dia que eu tinha a oportunidade de ficar sozinho: só eu e meus pensamentos. E, hoje, nós dois tínhamos muito que discutir.

A minha decisão já tinha sido tomada há alguns dias; veio como um tiro certeiro no meu cérebro e, mesmo depois de muito esforço, eu não consegui extrair aquele projétil daqui de dentro. Pensei que talvez alguém pudesse me ajudar, mas, como eu já disse, aqui dentro era impossível ficar um minuto sem ter ouvidos ao seu redor.

Pensei em falar com um dos meninos, mas eu não nunca tive muitas amizades aqui dentro. Ernst era uma pessoa muito agradável, mas ele nunca conseguiu deter a sua língua grande — e isso já lhe rendeu diversas advertências e penitências; ao contrário de Ernst, Hans era minimalista com suas palavras, mas se eu lhe dissesse sobre meus desconfortos, ele provavelmente me daria uma grande lição de moral, e isso não me reconfortaria; minha última opção era Tobias, um alemão de 18 anos muito sutil em suas colocações, mas ele nunca estava desacompanhado.

Todas as alternativas descartadas.

Num momento de delírio, eu pensei que eu pudesse procurar aconselhamentos com um dos padres; algum deles certamente me ouviria e ainda estaria sob o juramento sagrado de guardar segredo. Eu pensei em diversos nomes, mas todas as vezes que eu me imaginava ajoelhado ao lado do padre no confessionário, a cena terminava do mesmo jeito: o padre se levantaria e gritaria aos quatro cantos que aquilo era um insulto à Santa Igreja.

Eu me senti sozinho.

A única pessoa que poderia me ajudar naquele momento, que me ouviria e tiraria aquela ideia absurda da cabeça, estava agora dentro de um trem a caminho da Áustria. Ou, pelo menos, era isso que tinham me dito. A Áustria agora parecia ser outro mundo, outra dimensão.

Eu estava sozinho.

A minha ideia foi tomando conta do meu cérebro como um tumor maligno e já não era mais possível removê-lo. Não havia ninguém para escutar-me, dar-me uma palavra de apoio, dizer que eu estava errado e que tudo ficaria bem.

Ninguém sentiria minha falta.

Esses pensamentos foram comigo para a cama naquela noite. Mesmo que eu já tivesse me acostumado com aquilo, dentro de mim ainda vibrava uma sensação estranha: não conseguiria dizer se aquilo era agradável ou não; o meu peito se agitava de medo e ansiedade. E a decisão tinha sido tomada.

Eram três e meia da manhã e, daqui a pouco, todos estariam acordados se preparando para a primeira meditação do dia antes do desjejum. Levantei-me vagarosamente, pisando leve no assoalho de madeira, peguei uma vela, o terço de dez dezenas e uma foto amarelada debaixo do meu travesseiro.

Com muito cuidado, saí para o frio cortante da noite; eu estava apenas com uma camiseta sem mangas e uma calça de moletom. O ar congelava quando saía pela minha boca.

Quando cheguei à pedreira, a corrente do mar atingiu em cheio meus pulmões. Depois de chegar ali, não podia mais hesitar; dei uma última olhada para as torres da igreja — o sino lá em cima — e enrolei o terço na minha mão. Beijei a foto e coloquei-a junto ao meu peito antes de pular para o abismo escuro que se abria debaixo de mim.

Nenhum comentário: